A Grande Filtragem: Por Que a Ciência Tem Dificuldade em Nutrir Seus Inconformistas
À medida que as grandes descobertas diminuem, uma teoria provocadora ganha força: o próprio sistema pode estar excluindo as pessoas que poderiam mudar tudo.
Onde foram parar os Newtons? Os Einsteins, os Cricks, os iconoclastas que transformaram a realidade com um único artigo ou uma ideia ousada?
Faz décadas que a física não choca o mundo com algo parecido com o salto quântico. A biologia teve seu grande momento com o Projeto Genoma Humano, mas a onda de curas milagrosas que as pessoas esperavam em grande parte esmoreceu. O século 21 era para ser a era da ciência. Em vez disso, ficamos com uma esteira rolante interminável de artigos incrementais — a maioria não lida, muitos irrelevantes, quase todos esquecíveis.
As explicações familiares são de praxe: colhemos os frutos mais fáceis, os problemas são mais difíceis, o equipamento é mais caro. Mas em conversas sussurradas em conferências e debates noturnos em cafeterias de laboratórios, outra teoria tem ganhado terreno. E se o problema não for a ciência? E se forem os cientistas que o sistema produz?
E se construímos uma máquina acadêmica tão eficiente, tão profissionalizada, que ela elimina precisamente os desajustados que poderiam ter mudado o mundo?
A Aprendizagem de 35 Anos
Observe a trajetória de carreira da pesquisa moderna. Quatro anos de graduação. Talvez mais alguns para um mestrado. Mais cinco a sete buscando um doutorado. Depois, o infame carrossel do pós-doutorado — dois ou três estágios, às vezes quatro, cada um durando vários anos. No momento em que um pesquisador finalmente conquista uma cobiçada posição independente, ele já está beirando os 35 anos.
Isso está bem longe dos gigantes da história. Newton tinha pouco mais de 20 anos quando inventou o cálculo e lançou as bases da mecânica clássica. Einstein tinha apenas 26 quando publicou seus artigos do ano milagroso. Watson tinha 25 quando ele e Crick desvendaram a estrutura do DNA.
O processo moderno não apenas retarda as pessoas. Ele molda quem sobrevive. Para durar quinze anos na academia, são necessárias duas características acima de tudo: paciência e obediência. É preciso repetir experimentos cuidadosamente, aprimorar propostas de financiamento no formato aprovado e publicar nos periódicos corretos. É preciso trabalhar sem problemas sob a supervisão. É preciso jogar o jogo.
Mas os revolucionários da ciência raramente seguiam o fluxo. Eram obsessivos. Teimosos. Perseguiam ideias que seus orientadores odiavam. Argumentavam, se distraíam, quebravam regras. No sistema de hoje, essas pessoas são eliminadas. O aluno brilhante, mas difícil, nunca consegue as cartas de recomendação excelentes. O candidato a doutorado que quer investir três anos em uma aposta arriscada é advertido. O pós-doutorando que questiona o dogma é rotulado de encrenqueiro.
Quando a filtragem termina, o que resta é uma força de trabalho de profissionais diligentes e submissos. Exatamente o perfil errado para descobertas científicas revolucionárias.
A Tirania das Métricas
Se a longa aprendizagem é o primeiro filtro, a obsessão por números é o segundo.
As carreiras de pesquisa modernas são pautadas por métricas: artigos por ano, fatores de impacto, número de citações, valores dos financiamentos. Elas foram criadas para trazer justiça às avaliações. Em vez disso, distorceram toda a cultura.
Quando as promoções dependem da produção, os pesquisadores otimizam para a produção. Isso significa perseguir tópicos da moda em vez de problemas obscuros, mas importantes. Significa dividir uma descoberta em várias "unidades mínimas publicáveis". Significa escolher trabalhos seguros e incrementais em vez de saltos ousados e arriscados.
O resultado é uma indústria de "artesãos de artigos" — altamente habilidosos, infinitamente produtivos e quase totalmente esquecíveis.
A Armadilha da Especialização
Há outra camada para o problema. A ciência moderna está fragmentada em nichos cada vez mais estreitos.
Um biólogo pode passar a carreira em uma única família de proteínas. Um cientista de materiais pode dedicar décadas a uma única classe de ligas. Essa profundidade é necessária — os campos são complexos, as técnicas levam anos para serem dominadas. Mas o custo é a criatividade. Os polímatas de outrora, que transitavam entre física, química e filosofia, foram substituídos por especialistas que se detêm nos limites da obscuridade.
Quando o trabalho de uma vida se resume a esclarecer uma nota de rodapé em um campo que a maioria dos seus colegas mal reconhece, assumir riscos parece inútil. Mais e mais pesquisadores aceitam seu papel na linha de montagem intelectual e silenciosamente desistem da grandeza.
O Paradoxo da IA
E agora, neste cenário, entra em cena a inteligência artificial.
Os otimistas veem a salvação. A IA pode assumir o trabalho braçal: processar dados, projetar experimentos, revisar a literatura, até mesmo elaborar hipóteses. O AlphaFold já resolveu estruturas de proteínas em segundos, o que antes levava anos. Laboratórios autônomos, impulsionados por IA e robótica, prometem acelerar a descoberta enquanto liberam mentes humanas para o pensamento ousado.
Mas os pessimistas levantam uma possibilidade mais sombria. Se o sistema recompensa a produção incessante de artigos em detrimento da descoberta genuína, a IA não irá apenas potencializar essa corrida pela produção? Modelos de linguagem já estão sendo usados para produzir artigos mais rapidamente, forçando os periódicos a uma corrida armamentista de detecção. Treinados na literatura existente, esses sistemas tendem a ecoar o consenso e desencorajar ideias estranhas, de alta variância. Eles recomendam o próximo experimento "sensato" — não aquele louco que poderia iniciar uma revolução.
Pior, estudos mostram que a IA às vezes ignora nuances, apresenta descobertas de forma imprecisa ou exala confiança onde não há justificativa. Velocidade sem precisão não é progresso.
Um Caminho a Seguir
Sair da armadilha requer mais do que novas ferramentas. Significa repensar os incentivos que guiam a ciência hoje.
Imagine se as universidades limitassem o número de artigos considerados para promoção, priorizando a qualidade em detrimento do volume. Ou se os financiadores reservassem verbas reais para projetos arriscados, de alto retorno, com uma chance conhecida de falha. E se os periódicos publicassem resultados negativos com o mesmo entusiasmo que os positivos? E se currículos narrativos substituíssem a contagem de citações?
Algumas instituições estão tentando. Algumas criaram fundos para "pesquisa de risco". Um punhado de periódicos agora hospeda seções para resultados nulos. Mas estas permanecem exceções em uma cultura ainda viciada em uma produção segura e constante.
A IA poderia ajudar — se usada com sabedoria. Que ela elimine o trabalho monótono, mas proteja o tempo para ideias estranhas e especulativas. Exija transparência para afirmações assistidas por IA: fontes, versões do modelo, registros de prompts. Combine as sugestões geradas por máquina com o ceticismo humano. E, acima de tudo, direcione as novas e poderosas ferramentas para o inexplorado, o fora de moda, o ousado.
Os Riscos
Errar nisso não prejudicará apenas carreiras ou universidades. Poderia paralisar a capacidade da humanidade de enfrentar seus maiores problemas.
Precisamos de novos materiais para energia limpa. Precisamos de curas para doenças que não compreendemos totalmente. Precisamos de maneiras de alimentar e sustentar bilhões sem destruir o planeta. O progresso incremental não será suficiente.
O que precisamos são os tipos de descobertas que só vêm de pessoas que o sistema atual silenciosamente filtra — os obsessivos, os indisciplinados, os estranhos.
Os Newtons ainda estão por aí. Só precisamos parar de afastá-los.