
A Estratégia da Infraestrutura: Como a Aposta da Ant International no Crédito Latino-Americano Expõe o Novo Campo de Batalha da Fintech
A Jogada do Encanamento Financeiro: Como a Aposta da Ant International no Crédito Latino-Americano Expõe o Novo Campo de Batalha Fintech
A gigante fintech de Cingapura une forças com a startup mexicana R2 em uma jogada estratégica que revela onde o dinheiro de verdade – e as vantagens competitivas duradouras – residem nas finanças de mercados emergentes.
CIDADE DO MÉXICO — Quando a Ant International anunciou um investimento estratégico na R2 em 29 de outubro, o comunicado de imprensa seguiu a retórica familiar das fintechs: expandir o acesso, capacitar PMEs, alavancar IA para um crescimento inclusivo através da enorme lacuna de crédito de US$ 1 trilhão na América Latina. Mas por trás da linguagem missionária reside uma verdade mais dura sobre o que realmente importa no empréstimo digital — e tem menos a ver com inteligência artificial e mais com algo muito mais prosaico: o "encanamento" do fluxo de caixa.
O acordo marca a intensificação da incursão da Ant International na América Latina, onde o braço de Cingapura do outrora poderoso Ant Group de Jack Ma tem construído metodicamente sua presença desde o lançamento de produtos de capital de giro para PMEs no Brasil no início deste ano. A R2, fundada em 2020 pelos ex-executivos da Uber e Rappi Roger Larach e Roger Teran, fornece infraestrutura de empréstimos embarcados no México, Chile, Colômbia, Peru e Brasil — essencialmente uma API que permite que plataformas digitais ofereçam financiamento sem assumir o risco de crédito elas mesmas.
A parceria chega em um ponto de inflexão. As pequenas e médias empresas da América Latina, representando 99% das empresas e mais de 60% dos empregos, enfrentam uma crise de oferta de crédito que se ampliou, em vez de diminuir, na era pós-pandemia. Bancos tradicionais atendem apenas 13% da demanda, evitando mutuários que consideram muito arriscados, muito informais ou muito pequenos para justificar os custos de análise de crédito. Nesse vácuo, surgiu uma nova geração de credores embarcados que fazem uma aposta fundamentalmente diferente: que a verdadeira barreira ao crédito não é a precisão da pontuação, mas a infraestrutura de cobrança.
É aqui que o modelo da R2 diverge do empréstimo fintech convencional. A empresa não apenas avalia a capacidade de crédito usando dados de transação de plataformas de parceiros como Uber Eats, Rappi e inDrive. Ela integra o pagamento diretamente nos fluxos de receita através de financiamento baseado em receita, retirando automaticamente uma porcentagem das vendas diárias. Quando um vendedor de comida de rua que faz entregas pela Rappi precisa de capital de giro para ingredientes, a R2 pode avaliar o risco usando a velocidade real de vendas e cobrar os pagamentos antes que o dinheiro chegue à conta do comerciante. O termo técnico é "cobrança por liquidação dividida". O resultado prático é uma perda por inadimplência (LGD) drasticamente menor.
"A pontuação de crédito é copiável; ser pago na fonte não é", observa a tese de investimento circulando entre analistas financeiros que examinam o acordo. Essa distinção importa porque a infraestrutura digital da América Latina só recentemente amadureceu o suficiente para tornar a cobrança embarcada possível em escala. O sistema de pagamentos instantâneos do Brasil, Pix, os crescentes mandatos de fatura eletrônica do México e a proliferação de plataformas de pagamento digital criaram o que os investidores em infraestrutura chamam de "trilhos" – os canais através dos quais dinheiro e dados fluem com velocidade e confiabilidade suficientes para suportar empréstimos automatizados.
A Ant International traz para essa infraestrutura seu motor de crédito global, aprimorado em mercados onde a empresa processou bilhões em transações. A tecnologia promete decisões de análise de crédito mais rápidas e custos mais baixos — analistas estimam reduções de 30% a 50% nas despesas de processamento, possibilitando empréstimos de US$ 100 a US$ 100.000 com taxas de juros abaixo de 20% em comparação com os mais de 40% dos bancos tradicionais. Mas a verdadeira troca de valor é mais profunda. A Ant obtém exposição politicamente eficiente aos mercados de crédito latino-americanos através de um parceiro local, em um momento em que suas operações na China permanecem restringidas por pressões regulatórias que reduziram sua avaliação de US$ 200 bilhões para aproximadamente US$ 80 bilhões após 2020. A R2 ganha credibilidade, capital e poder algorítmico para competir por acordos de integração com as maiores plataformas digitais da região.
As implicações competitivas se espalham imediatamente. O Mercado Livre, cujo portfólio de crédito cresceu mais de 90% ano a ano, já demonstra que o empréstimo embarcado impulsiona a aderência à plataforma (stickiness) e o valor vitalício do comerciante (lifetime value). A Stone no Brasil, PagSeguro, Clip no México e a recém-licenciada SumUp enfrentam pressão para igualar ou superar a oferta da R2 para suas próprias bases de comerciantes. A janela para provedores de infraestrutura de terceiros como a R2 permanece aberta precisamente porque construir operações de empréstimo internamente exige licenças regulatórias, expertise em crédito e relações de financiamento que a maioria das plataformas não possui — mas essa janela se estreita à medida que os concorrentes respondem.
Céticos apontam riscos genuínos que se estendem além da execução. Preocupações com a soberania dos dados são grandes; Brasil e México têm mostrado uma crescente disposição para impor requisitos de localização, e a origem chinesa da Ant – apesar de seu domicílio em Cingapura – atrai escrutínio em uma era de tensões geopolíticas elevadas. Uma desaceleração econômica acentuada poderia aumentar as taxas de inadimplência justo quando o financiamento se torna mais restrito, e modelos baseados em receita que parecem elegantes na expansão podem agravar o sofrimento do mutuário na contração. A concentração de plataformas apresenta outra vulnerabilidade: se dois grandes parceiros gerarem a maioria das origens de empréstimos, seus termos comerciais efetivamente estabelecem o teto do modelo de negócios.
No entanto, as forças estruturais que apoiam a tese parecem duradouras. A lacuna de financiamento para MPMEs na América Latina reflete não uma fraqueza cíclica, mas uma falha sistêmica de mercado — a ausência de infraestrutura para avaliar e atender pequenos mutuários de forma lucrativa. Plataformas digitais resolveram o problema da distribuição; iniciativas de open banking e inovação em pagamentos criaram dados para avaliação; a cobrança embarcada agora aborda o problema da recuperação. O que resta é o custo de capital, onde o envolvimento da Ant deve atrair instituições financeiras de desenvolvimento e permitir securitizações de ativos que reduzam os custos de financiamento em todo o setor.
A verdadeira questão que enfrentam investidores e concorrentes é se a vantagem competitiva (fosso) reside no algoritmo ou na infraestrutura essencial ('encanamento'). A aposta da Ant International sugere o último. A declaração cuidadosamente formulada de Roger Larach sobre "tornar o acesso ao financiamento sem atritos no ponto de necessidade" ignora a verdade pouco glamorosa: o atrito não está no processo de aplicação, mas em ser pago de volta. Quem controla os canais controla as margens.
Para os 10 milhões de pequenas empresas mal atendidas da América Latina, a distinção mal importa. Seja através de inteligência artificial ou cobranças automatizadas, o capital fluindo para empresas produtivas representa progresso para fechar uma lacuna que persistiu por gerações. Mas para as gigantes fintech agora rondando os mercados de crédito da região, entender onde a vantagem sustentável realmente reside pode significar a diferença entre construir uma franquia duradoura e se tornar uma infraestrutura cara para a plataforma de outra pessoa.
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