A Anatomia de um Negócio: Como os Bilhões da Eli Lilly com Obesidade Financiam uma Aposta de Alto Risco em uma Cura de Dose Única para a Cegueira
INDIANAPOLIS — Hoje, a Eli Lilly and Company lançou um bote salva-vidas para uma empresa de biotecnologia em dificuldades, à beira do colapso. A gigante farmacêutica, transbordando de dinheiro com seus medicamentos de sucesso estrondoso para obesidade, anunciou planos para comprar a Adverum Biotechnologies – uma pequena empresa que apostou tudo em uma única ideia audaciosa: uma injeção única que poderia interromper uma das principais causas de cegueira em adultos.
Este não foi apenas um negócio. Foi um resgate, uma aposta e um vislumbre do futuro da medicina, tudo ao mesmo tempo. As ações da Adverum dispararam antes mesmo da abertura dos mercados. A Lilly ofereceu US$ 3,56 por ação em dinheiro – cerca de US$ 300 milhões – mas a verdadeira intriga estava no restante do pacote: um "direito de valor contingente" (CVR) não-transferível, no valor de US$ 8,91 por ação. Pense nisso como um bilhete de loteria dourado – só paga se a terapia genética experimental da Adverum, Ixo-vec, não apenas obtiver a aprovação da FDA, mas se transformar em um blockbuster de um bilhão de dólares por ano.
Para a Lilly, foi um salto estratégico. Para a Adverum, foi a sobrevivência. E para milhões que sofrem de degeneração macular relacionada à idade úmida (DMRI úmida) – uma doença que força os pacientes a suportar injeções oculares mês após mês – pode ser o vislumbre de uma cura que esperavam.
Uma História de Duas Empresas: O Predador e a Presa
O momento era tudo. A Eli Lilly, surfando na onda de lucros do Mounjaro e Zepbound, tem comprado seu caminho para a próxima geração da medicina. Com mais de US$ 4 bilhões em fluxo de caixa livre a cada trimestre, a empresa está adquirindo promissoras firmas de biotecnologia como um mestre de xadrez em busca do xeque-mate.
Só este ano, a Lilly adquiriu a Verve Therapeutics por seu tratamento cardíaco de "dose única" e impulsionou seu portfólio de câncer com negócios em radiofármacos e conjugados anticorpo-medicamento. Agora, ela está de olho em doenças oculares – um território lucrativo, mas subdesenvolvido para a empresa.
“Isso é a Lilly clássica”, observou um analista da indústria. “Eles visam terapias de alto potencial e estágio avançado em mercados desesperados por inovação. E a DMRI úmida clama por disrupção.”
Enquanto isso, a Adverum estava chegando ao fim da linha. Suas despesas de P&D dobraram para US$ 37 milhões no segundo trimestre de 2025, e suas reservas de caixa estavam secando rapidamente. A empresa esperava ficar sem dinheiro no início de 2026 – exatamente quando seu crítico estudo ARTEMIS de Fase 3 atingiria seu auge. Apesar de analistas otimistas preverem que as ações poderiam um dia atingir US$ 33, elas pairavam perto de US$ 3,50. O "vale da morte" da biotecnologia, onde grandes ideias morrem por falta de financiamento, pairava ameaçadoramente.
As letras miúdas contam a história do desespero. A Lilly concordou em emprestar US$ 65 milhões à Adverum imediatamente para manter as operações até o fechamento do negócio ainda este ano. A taxa íngreme do empréstimo – SOFR mais 10% – mostrava o quão grave a situação havia se tornado. Esta não foi meramente uma oferta. Foi um bote salva-vidas.
O Bilhete de Loteria de Bilhões de Dólares
Para os acionistas da Adverum, a oferta da Lilly foi uma mistura de alívio e frustração. O pagamento em dinheiro de US$ 3,56 ofereceu um ganho rápido em relação às mínimas recentes, mas isso é apenas 28% do potencial total de US$ 12,47. O restante depende do CVR – uma aposta financeira que transfere quase todo o risco futuro para os investidores.
Veja como se divide:
- US$ 1,78 por ação se o Ixo-vec obtiver aprovação nos EUA até o final de 2032.
- US$ 7,13 por ação se as vendas globais anuais atingirem US$ 1 bilhão até 2035.
Analistas já calcularam as probabilidades. Com base nos dados até agora, há cerca de 60% de chance de aprovação e talvez 50% de chance de atingir a marca do bilhão de dólares. Isso estima o valor real do CVR em apenas US$ 1 a US$ 2 hoje.
“O pequeno pagamento inicial mantém a Adverum viva”, brincou um trader no X, “mas o CVR – é aí que está o verdadeiro ganho.”
Uma Injeção Que Pode Mudar Como Vemos
No centro desta aposta de bilhões de dólares está o Ixo-vec – uma terapia genética que poderia transformar o olho em sua própria fábrica de medicamentos. Uma única injeção entrega um vírus inofensivo que carrega instruções genéticas para a retina, fazendo com que as células produzam aflibercepte, a mesma proteína encontrada no principal medicamento para DMRI úmida, Eylea.
Se funcionar, a mudança será revolucionária. Em vez de injeções mensais ou bimensais diretamente no olho, os pacientes podem precisar de apenas um tratamento – para sempre. Para aqueles que suportaram inúmeras consultas e procedimentos dolorosos, isso é nada menos que transformador.
Os dados parecem promissores. No estudo LUNA de Fase 2 da Adverum, 84% dos pacientes que receberam a dose alvo de Ixo-vec passaram um ano inteiro sem outra injeção, tudo isso enquanto mantinham sua visão. Resultados de acompanhamento ao longo de quatro anos sugerem que o efeito pode durar. Esses números chamaram a atenção da Lilly.
Ainda assim, a terapia genética é um campo minado. Ensaios iniciais do Ixo-vec apresentaram problemas com inflamação ocular – um risco conhecido com vetores AAV. A Adverum tentou corrigir isso adicionando esteroides preventivos, mas o risco não desapareceu. O estudo ARTEMIS em andamento, com 300 pacientes inscritos, decidirá o destino do medicamento. Se falhar, o CVR se torna inútil, e o sonho se desvanece junto.
O Efeito Dominó na Biotecnologia
Este negócio enviou ondas de choque pelo mundo da biotecnologia. À medida que o capital de risco seca, a Big Pharma está entrando para comprar startups em estágio avançado a preços baixos. Direitos de valor contingente, antes raros, agora são ferramentas padrão para esses negócios – dando flexibilidade aos compradores e uma pequena chance de ganhos futuros aos vendedores.
Isso também acirra a corrida por uma terapia genética para tratar a DMRI úmida. A AbbVie e a Regenxbio estão logo atrás da Lilly, com seu medicamento rival RGX-314 programado para liberar dados de Fase 3 até o final de 2026. Quem chegar primeiro ao mercado poderá dominar um campo de US$ 9,5 bilhões.
Nem todos estão aplaudindo a iniciativa da Lilly. A empresa recentemente contratou Peter Marks, ex-chefe de regulamentação de vacinas da FDA, levando críticos a protestar contra a "porta giratória" entre governo e indústria. “Bom menino recompensado – serviu bem à pharma”, brincou um post viral no X, ecoando o ceticismo público de que reguladores e corporações se tornaram muito próximos.
Por enquanto, Wall Street parece cautelosamente otimista. As ações da Adverum terminaram a sexta-feira a US$ 4,18, ligeiramente acima da oferta em dinheiro da Lilly – um sinal de que os investidores acreditam que ainda há uma chance de que isso possa render muito. As próprias ações da Lilly mal se moveram; para uma empresa de US$ 750 bilhões, um negócio de meio bilhão de dólares é apenas troco.
Assim que a aquisição for concluída ainda este ano, a Adverum desaparecerá como empresa independente. Mas seu legado – juntamente com as esperanças de milhões que temem perder a visão – viverá no Ixo-vec. Se isso terminará como um triunfo ou uma tragédia dependerá de um único estudo clínico e da capacidade da Lilly de transformar ciência em salvação.
No fim, é uma história de risco e recompensa, de desespero encontrando ambição. Uma injeção no olho que poderia, talvez, mudar como o mundo vê para sempre.
NÃO É ACONSELHAMENTO DE INVESTIMENTO
