A Aposta de US$ 252 Bilhões da AstraZeneca: Por Dentro da Metamorfose Americana da Gigante da Oncologia
Trimestre Recorde Mascara Transformação Estratégica Enquanto a Gigante Farmacêutica Internaliza a Produção, Mira o Mercado de Obesidade e Enfrenta a Realidade da China
A AstraZeneca entregou uma receita trimestral recorde de US$ 15,2 bilhões no 3º trimestre de 2025, um aumento de 12% em relação ao ano anterior que coroou o período de três meses mais bem-sucedido da história da gigante farmacêutica britânica. Mas, por trás dos números de oncologia que roubam as manchetes, reside uma história mais relevante: a de uma empresa executando uma virada estratégica de US$ 50 bilhões para se tornar, na prática, uma empresa biofarmacêutica americana – completa com a pegada de fabricação, o seguro político e a exposição de mercado que isso implica.
A transformação já está em andamento. Enquanto o CEO Pascal Soriot reiterava as projeções para o ano inteiro e destacava o "forte impulso" para 2026, sua empresa lançava a pedra fundamental de uma fábrica de US$ 4,5 bilhões na Virgínia e fechava o que chamou de "acordo histórico" com o governo dos EUA sobre preços e alívio tarifário. A mensagem para investidores e para Washington é a mesma: a AstraZeneca está apostando suas fichas em solo americano, em pacientes americanos e em mercados de capitais americanos.
Os Números Por Trás do Recorde
A receita de nove meses atingiu US$ 43,2 bilhões, crescendo 11% a taxas de câmbio constantes, enquanto o lucro por ação principal saltou 15%, para US$ 7,04. A divisão de oncologia da empresa – agora 43% da receita total – gerou US$ 18,6 bilhões até setembro, expandindo 16% impulsionada por três trajetórias de medicamentos blockbuster.
Imfinzi, o carro-chefe de imunoterapia da empresa, cresceu 25%, para US$ 4,3 bilhões, à medida que novas indicações para câncer de bexiga e pulmão expandiram seu mercado endereçável. Enhertu, o conjugado anticorpo-medicamento co-desenvolvido com a Daiichi Sankyo, registrou um crescimento de 38%, chegando a quase US$ 2 bilhões, tornando-se rapidamente um padrão de tratamento em várias configurações de câncer de mama. Até mesmo ativos maduros como Tagrisso mantiveram o ritmo com um crescimento de 11%.
Além da oncologia, os medicamentos cardiovasculares-renais-metabólicos contribuíram com US$ 9,7 bilhões, ancorados pela expansão de 12% do Farxiga para US$ 6,4 bilhões, à medida que o medicamento para diabetes encontrava nova vida no tratamento de insuficiência cardíaca e doença renal crônica. O portfólio respiratório, liderado pelo tratamento para asma grave Tezspire, cresceu 13%, com este último explodindo 64%.
O fluxo de caixa operacional contava a história da qualidade: US$ 12,2 bilhões nos nove meses, acima dos US$ 9,0 bilhões do ano anterior, mesmo com a empresa reduzindo a dívida líquida em US$ 600 milhões para US$ 24 bilhões, enquanto simultaneamente financiava a expansão da manufatura e o desenvolvimento de negócios.
A Recalibração Americana
O investimento de US$ 50 bilhões nos EUA até 2030 representa mais do que capital de crescimento – é uma proteção geopolítica envolta em política industrial. A fábrica da AstraZeneca na Virgínia fabricará não apenas medicamentos oncológicos, mas também GLP-1s orais, baxdrostat para hipertensão e terapias metabólicas combinadas. A empresa está construindo capacidade de produção para mercados que ainda não existem completamente.
Igualmente revelador: o plano da AstraZeneca de harmonizar sua listagem de ações entre Londres, Estocolmo e a Bolsa de Valores de Nova York até fevereiro de 2026. A medida visa uma maior participação de investidores institucionais dos EUA e, potencialmente, uma melhor inclusão em índices, reduzindo qualquer desconto de ADR e sinalizando onde a empresa acredita que seu futuro prêmio de avaliação será conquistado.
A entrada estratégica no mercado de obesidade através da aquisição da SixPeaks Bio – focada no controle de peso que preserva a massa muscular magra – posiciona a AstraZeneca para atacar o que vê como o calcanhar de Aquiles das terapias GLP-1 sem competir diretamente com a Novo Nordisk e a Eli Lilly. A capacidade da fábrica da Virgínia para medicamentos metabólicos orais sugere que a gestão vê isso como uma oportunidade multibilionária até o início da década de 2030, mesmo que os analistas ainda não tenham modelado uma receita significativa.
O Problema da China e o Penhasco de Patentes
No entanto, o detalhamento geográfico da receita revela uma vulnerabilidade crítica que as manchetes obscurecem. Embora os mercados emergentes fora da China tenham crescido 16% a taxas de câmbio constantes, a própria China se expandiu apenas 5% – uma desaceleração dramática no que historicamente foi um motor de crescimento fundamental. As pressões governamentais sobre os preços por meio de aquisições baseadas em volume e a intensificação da concorrência local alteraram fundamentalmente a trajetória do país para as farmacêuticas ocidentais.
Essa taxa de crescimento de 5% na China, agora totalmente visível nas tabelas divulgadas, força uma reavaliação dos modelos dos analistas que assumiam uma expansão sustentada de dois dígitos no segundo maior mercado farmacêutico do mundo. A narrativa dos mercados emergentes da empresa depende cada vez mais da América Latina, do Oriente Médio e do Sudeste Asiático compensando a nova realidade de Pequim.
Enquanto isso, a erosão genérica continua seu trabalho implacável. Brilinta despencou 33%, Pulmicort caiu 30% e Soliris declinou 28%, à medida que seu substituto de próxima geração, Ultomiris, canibaliza as vendas. Somente esses três ativos criam um freio estrutural de 200 a 300 pontos-base que o pipeline deve superar anualmente – um lembrete de que o crescimento farmacêutico é alcançado correndo mais rápido que a expiração de patentes, e não ficando parado.
O Paradoxo da Avaliação
Ao preço de US$ 81,15 de quinta-feira e uma capitalização de mercado perto de US$ 252 bilhões, a AstraZeneca apresenta aos investidores um paradoxo: a qualidade da execução é indiscutível, mas o múltiplo já reflete expectativas de crescimento sustentado de alto dígito único.
Anualizando o lucro principal, sugere uma cifra de 2025 em torno de US$ 9,30-US$ 9,50, implicando um múltiplo de lucros de 8,5-9,0x. Com US$ 24 bilhões em dívida líquida, o valor da empresa se aproxima de US$ 276 bilhões – aproximadamente 4,7x as vendas projetadas para 2025 de US$ 58 bilhões. Isso posiciona a AstraZeneca no topo dos pares de grandes farmacêuticas com base no múltiplo de vendas.
A tese de investimento depende de a gestão conseguir cumprir três promessas simultaneamente: manter o ritmo de crescimento acelerado da oncologia até 2030, dimensionar o portfólio de obesidade/metabólico o suficiente para justificar a capacidade da Virgínia e executar a expansão da manufatura americana sem prejudicar as margens. Atualmente, nenhum desses resultados está desriscado.
O cenário otimista baseia-se em 16 resultados positivos de Fase III acumulados no ano, criando visibilidade para a meta de receita de US$ 80 bilhões do CEO Soriot até 2030 – uma cifra que agora parece plausível em vez de aspiracional. A geração de caixa suporta aquisições complementares contínuas sem alavancar o balanço, enquanto a guinada para os EUA posiciona a AstraZeneca como cada vez mais doméstica no mercado farmacêutico com os preços mais altos do mundo.
O cenário pessimista observa que os gastos com P&D, em 23% da receita – agressivo para uma empresa desse porte – combinados com grandes despesas de capital podem comprimir a conversão de fluxo de caixa livre, justamente quando a receita de colaboração (queda de 81% no 3º trimestre, para US$ 11 milhões) introduz volatilidade trimestral. Se a China continuar com um crescimento de baixo dígito único e a aposta na obesidade demorar mais para escalar, a avaliação atual oferece margem limitada para decepções.
A decisão da gestão de reiterar em vez de aumentar as projeções para o ano inteiro, apesar do forte resultado do 3º trimestre, sinaliza que eles estão contando com o desempenho superior para financiar a transformação. Essa postura conservadora é estrategicamente sólida, mas significa que a expansão do múltiplo no curto prazo requer um resultado inovador para obesidade ou evidências de que a nacionalização da produção não corroerá a lucratividade.
Para investidores sofisticados, a AstraZeneca evoluiu de uma história de recuperação para uma história de execução. A questão não é mais se a empresa pode crescer – o motor de oncologia e o ritmo do pipeline respondem a isso – mas se a recalibração americana de US$ 50 bilhões se mostra uma estratégia perspicaz ou um seguro caro. A US$ 81,15, o mercado está precificando o sucesso. O próximo ano revelará se essa confiança é justificada.
NÃO É UM CONSELHO DE INVESTIMENTO
