
Argentina Eliminou Temporariamente Impostos de Exportação e Vendeu Bilhões em Soja para a China Durante a Temporada de Colheita dos EUA
Uma Traição na Safra: Como a Aposta Fiscal da Argentina Deixou Agricultores dos EUA na Poeira
Um feriado fiscal de três dias na Argentina deu à China a soja que ela queria — e deixou os agricultores americanos olhando para silos cheios e bolsos vazios.
Tudo começou com uma mensagem de celular vazada. No final de setembro, um fotógrafo da AP capturou uma imagem do celular do Secretário do Tesouro, Scott Bessent. Na tela, havia um texto direto — supostamente da Secretária da Agricultura, Brooke Rollins — acusando a Argentina de usar apoio financeiro respaldado pelos EUA para suspender seu imposto de exportação de soja tempo suficiente para roubar o negócio da China. A nota não foi confirmada, mas as consequências contaram a sua própria história.
A Argentina agiu rápido. Por três breves dias, o governo do Presidente Javier Milei suspendeu os impostos sobre a exportação de grãos. A medida abriu as comportas. Compradores chineses correram para adquirir até um milhão de toneladas de soja — o equivalente a uma dúzia de navios — antes que os impostos voltassem a ser cobrados, assim que as vendas atingissem o limite de US$ 7 bilhões. A janela foi minúscula, mas perfeitamente cronometrada. Aconteceu bem no auge da colheita dos EUA, um momento em que os agricultores costumam fechar grandes contratos com a China.
Este ano, esses contratos nunca vieram. E analistas dizem que eles podem não voltar.
Brasil a 90 Por Cento, América Abaixo de 4
Olhe para os registros alfandegários da China de julho de 2025 e a mudança salta aos olhos. Quase 90 por cento das importações de soja da China vieram do Brasil. Os EUA? Mal 4 por cento. Até agosto, o Brasil controlava quase três quartos das 73 milhões de toneladas que a China comprou, enquanto a participação dos EUA caiu para menos de um quarto — e continua a diminuir.
A matemática explica o porquê. Depois que a administração Trump impôs uma tarifa de 104 por cento sobre produtos chineses na primavera passada, Pequim revidou. Os impostos sobre a soja americana dispararam para quase 97 por cento. No papel, a tarifa combinada parece esmagadora, chegando a 105 por cento. Na prática, após ajustes e soluções alternativas, os compradores chineses ainda enfrentam uma penalidade de cerca de 23 por cento ao comparar o preço da soja dos EUA com a do Brasil.
Essa diferença é brutal. A soja americana desembarcada custa aproximadamente US$ 776 por tonelada. A soja brasileira? Cerca de US$ 380. Não é de admirar que um trader tenha brincado: “Os processadores chineses nem se dão mais ao trabalho de nos enviar e-mails.”
A Liquidação de Três Dias
A aposta da Argentina mostrou a rapidez com que uma única mudança de política pode virar o mercado. O decreto de Milei deu aos exportadores até 31 de outubro — ou até que US$ 7 bilhões em vendas fossem atingidos — para enviar soja sem impostos. Pequim não perdeu tempo. Em apenas alguns dias, o limite foi atingido, e navios se enfileiraram nos portos argentinos enquanto a soja dos EUA permanecia sem ser vendida.
Para Buenos Aires, foi uma jogada tática genial. Para os EUA, foi um soco no estômago. As vendas não apenas competiram com os agricultores americanos; elas os substituíram no exato momento em que a demanda geralmente se espalha pelo Pacífico em direção ao Centro-Oeste.
Silos Cheios, Contas Vazias
Converse com agricultores no Delta do Mississippi e a situação se torna pessoal. Silos de grãos tão cheios que as aberturas não conseguem ventilar. Soja a US$ 10 o bushel — US$ 2 abaixo do ponto de equilíbrio para muitas operações. E o pior de tudo, silêncio dos compradores chineses.
O prejuízo não para na porteira da fazenda. Revendedores de equipamentos veem seus showrooms acumulando poeira. Bancos rurais apertam os empréstimos. Advogados relatam mais falências sob o Capítulo 12. É uma reação em cadeia que atinge todas as pequenas cidades construídas sobre a agricultura.
Os números do comércio comprovam a dor. Até julho, as compras chinesas de soja dos EUA caíram mais de 50 por cento em relação ao ano anterior. Para a temporada completa, as exportações dos EUA para a China caíram mais de um terço. Isso não são apenas vendas perdidas. É capital de giro que se foi, o próprio dinheiro com o qual os agricultores contam para financiar o plantio do próximo ano.
A Estratégia de Longo Prazo do Brasil Compensa
A Argentina roubou os holofotes com sua isenção fiscal, mas a história mais profunda é sobre o Brasil. Por anos, os produtores brasileiros têm aumentado os rendimentos, não apenas a área cultivada. Com dinheiro chinês, eles construíram ferrovias e portos no Arco Norte, reduzindo custos e acelerando as exportações.
Agora, o relacionamento amadureceu. Investidores chineses não estão apenas comprando soja; eles estão construindo usinas de processamento, centros logísticos e instalações de processamento de farelo. Essa integração torna mais difícil para a China se afastar. O Brasil se tornou o fornecedor padrão, enquanto os EUA — antes a aposta segura — são considerados apenas se a diferença de preço se fechar.
O Jogo de Equilíbrio da China
Ainda assim, depender demais da América do Sul acarreta riscos. A China sempre gostou de diversificar seu poder de compra, mantendo os fornecedores em suspense e os preços sob controle. A dependência de Brasil, Argentina e Uruguai pode sair pela culatra se eles começarem a coordenar os preços — ou se o clima prejudicar uma safra.
Alguns analistas acreditam que a China misturará milho russo e ucraniano para aliviar a demanda por ração, enquanto resiste aos aumentos de preços sul-americanos. O Brasil, por sua vez, pode ver isso como uma chance de liderar um bloco regional que dita os termos.
Para Onde o Dinheiro Flui
Para os investidores, a mudança já está remodelando o mapa. Usinas de esmagamento no Centro-Oeste dos EUA podem permanecer ocupadas se mais soja ficar em casa, embora enfrentem concorrência do farelo argentino barato. Empresas de logística brasileiras — de portos a ferrovias — parecem preparadas para outro boom.
Operadores de armazenagem nos EUA podem lucrar com grandes spreads de "carry", onde a soja é estocada para venda futura, embora qualquer acordo comercial possa colapsar essas margens da noite para o dia. E, é claro, se Washington e Pequim encontrarem uma maneira de aliviar temporariamente as tarifas, os mercados podem balançar fortemente em questão de dias.
Uma coisa é clara: padrões antigos não podem ser confiados. Política, clima e guerras comerciais agora importam tanto quanto relatórios meteorológicos quando se trata de preços da soja.
O Que Vem Por Aí Para os Agricultores dos EUA?
Sem alívio tarifário ou um avanço comercial significativo, a América do Sul provavelmente continuará sendo a principal fonte de soja da China até 2026. A aposta de três dias da Argentina provou o quão rapidamente os EUA podem perder quando outro país identifica uma oportunidade.
A mensagem de texto vazada pode se apagar, mas o alerta permanece. As estratégias financeiras de Washington e as realidades dos agricultores estão caminhando em direções opostas. Enquanto não se alinharem, os silos americanos permanecerão cheios demais, e os balanços financeiros, muito frágeis. Para os agricultores de todo o Centro-Oeste, a mensagem é difícil de ignorar: o maior cliente do mundo seguiu em frente — e pode não voltar tão cedo.
NÃO É ACONSELHAMENTO DE INVESTIMENTO