A Baixa Oculta do Apple Card: A Pequena Empresa de Tecnologia Deixada para Trás pela Saída de Wall Street
NOVA YORK — No coração do distrito financeiro de Manhattan, onde a Goldman Sachs um dia buscou reinventar o setor bancário de varejo, uma crise mais silenciosa se desenrola a quase 1.600 quilômetros de distância — em Norcross, Geórgia. Lá, uma pequena empresa de fintech chamada CoreCard enfrenta um momento decisivo que destaca as consequências muitas vezes invisíveis de parcerias financeiras de alto perfil.
A decisão da Goldman Sachs de sair de seu empreendimento Apple Card de US$ 20 bilhões — agora supostamente na mira do JPMorgan Chase — sinaliza mais do que apenas uma mudança de estratégia. Ela revela a posição frágil de empresas de tecnologia menores que impulsionam produtos de grande destaque, mas que ficam expostas quando as condições de mercado mudam ou parceiros maiores alteram sua rota.
A história da CoreCard capta a dura verdade na interseção entre a Big Tech e Wall Street: mesmo a inovação revolucionária não pode proteger os players menores dos riscos da dependência.
Uma Parceria Poderosa, Agora em Questão
A sorte da CoreCard mudou dramaticamente em 2019, quando a Goldman Sachs lançou o Apple Card. A empresa sediada na Geórgia forneceu a tecnologia de processamento por trás dos recursos de destaque do cartão — como sua roda de pagamento visual, faturamento baseado em calendário e estruturas de taxas claras e amigáveis ao consumidor.
“A CoreCard essencialmente se tornou o motor invisível que impulsiona a experiência de crédito ao consumidor da Apple”, disse um analista de fintech, que falou anonimamente devido a obrigações com clientes. “Sem a tecnologia deles, a parceria da Goldman com a Apple não teria funcionado.”
Essa parceria se tornou uma tábua de salvação financeira para a CoreCard. Analistas estimam que até 70% da receita da empresa estava ligada ao seu trabalho no Apple Card por meio da Goldman Sachs. Para uma empresa antes obscura, a associação trouxe credibilidade — mas também uma perigosa dependência de um único cliente.
O CEO da CoreCard, Leland Strange, descreveu recentemente a situação da empresa como “única e estranha”, expressando dúvidas sobre se o relacionamento sobreviveria sob um novo parceiro bancário.
Por Que a Goldman Recuou
O recuo da Goldman do Apple Card reflete uma mudança mais ampla no setor bancário tradicional. O que começou como uma colaboração ousada entre Wall Street e o Vale do Silício esbarrou em desafios estruturais que se mostraram difíceis de superar.
Uma questão chave era a base de usuários do cartão: cerca de 34% dos saldos eram mantidos por tomadores de empréstimo com pontuações de crédito abaixo de 660 — subprime pelos padrões da indústria, e mais que o dobro da exposição usual do JPMorgan. Esse risco, combinado com as demandas da Apple focadas no consumidor (como a remoção de taxas de atraso), reduziu a lucratividade do cartão.
Os problemas não pararam por aí. Em outubro de 2024, o Consumer Financial Protection Bureau aplicou a Apple e à Goldman multas de mais de US$ 89 milhões por má gestão de disputas de clientes e comunicações enganosas. As consequências públicas não apenas prejudicaram a imagem da parceria, mas também tornaram uma transição limpa para outro banco mais complicada.
“Há uma bagagem regulatória que paira sobre qualquer transição potencial”, disse um ex-executivo bancário familiarizado com aquisições de cartões de crédito. “Nenhum sucessor quer herdar problemas de conformidade não resolvidos.”
JPMorgan Entra em Cena — Com Cautela
Agora, o JPMorgan Chase parece pronto para assumir o portfólio do Apple Card. Com seus vastos recursos e infraestrutura, o banco está bem posicionado para lidar com o negócio — mas não sem condições.
Fontes dizem que as negociações estão se concentrando em mudanças na estrutura do cartão para reduzir o risco. O JPMorgan pode pressionar para substituir alguns dos recursos exclusivos do cartão — como o faturamento baseado em calendário e as exibições dinâmicas de pagamento — por processos mais padronizados que se alinhem aos seus sistemas de risco.
Essa mudança poderia ter um efeito cascata. Se o JPMorgan reformular o modelo de atendimento do cartão, a tecnologia especializada que a CoreCard construiu pode não ser mais necessária. As robustas capacidades de processamento interno do JPMorgan provavelmente assumiriam o controle, deixando de lado fornecedores externos menores.
Uma Saída Silenciosa: A Venda da CoreCard
Diante dessa possibilidade, a CoreCard tomou medidas preventivas. A empresa de pagamentos Euronet Worldwide anunciou recentemente que adquiriria a CoreCard em um negócio de ações avaliado em cerca de US$ 248 milhões.
Para a CoreCard, a venda oferece tanto alívio quanto resignação. É uma queda acentuada em relação ao pico de avaliação anterior da empresa — uma vez estimado em quase US$ 490 milhões durante o boom inicial do Apple Card.
Para a Euronet, a aquisição é uma chance de investir em tecnologia comprovada com um histórico de alto perfil. O objetivo? Reembalar o “pedigree Apple Card” da CoreCard para mercados no exterior, onde a marca Apple tem ainda mais peso.
“A Euronet está essencialmente comprando a tecnologia e a narrativa”, explicou um executivo de pagamentos. “A questão é se eles podem transformar isso em crescimento em outro lugar.”
O Que Isso Significa para Investidores
Essa transição apresenta vários ângulos para investidores experientes.
A alta exposição a crédito subprime do Apple Card poderia criar oportunidades em derivativos de crédito, especialmente se o JPMorgan negociar termos de compartilhamento de risco ou isolar segmentos de maior risco do portfólio.
Investidores de ações podem ver a aquisição da CoreCard pela Euronet como uma aposta de valor. O preço de compra reflete a posição enfraquecida da CoreCard, mas há potencial de alta se a Euronet conseguir expandir para mercados internacionais mais lucrativos. A execução, no entanto, será tudo.
A lição mais ampla para os players de fintech? A concentração de clientes é um risco não apenas para a receita, mas para a sobrevivência. Negócios futuros podem incluir cláusulas para reduzir a dependência excessiva de clientes únicos — metas de diversificação, taxas de rescisão ou ajustes de avaliação incorporados, vinculados a mudanças na estratégia do parceiro.
Órgãos Reguladores e Disputa Competitiva
Qualquer transferência do portfólio do Apple Card provavelmente atrairá mais atenção regulatória. As questões não resolvidas da parceria com a Goldman poderiam forçar o JPMorgan — ou qualquer comprador alternativo — a fazer mudanças operacionais ou a se comprometer com proteções adicionais ao cliente.
Enquanto isso, outros emissores como American Express, Barclays e Synchrony estão observando de perto. Se as negociações do JPMorgan falharem, esses players poderiam intervir com propostas criativas — talvez dividindo o portfólio por perfil de risco ou experimentando modelos de emissão dupla que ainda envolvam provedores de tecnologia especializados.
Olhando para o Futuro: Lições e Legado
O próximo capítulo do Apple Card não é apenas sobre quem assume — é sobre como a indústria financeira evolui. As parcerias iniciais entre tecnologia e finanças frequentemente priorizavam a inovação em detrimento da lucratividade. Essa troca está se tornando mais difícil de justificar.
Daqui para frente, espere acordos mais rigorosos, compartilhamento de risco mais claro e redes de fornecedores mais amplas. A era de construir plataformas de bilhões de dólares baseadas em dependências tecnológicas de ponto único — como o papel da CoreCard no Apple Card — provavelmente está terminando.
Para investidores e executivos, essa mudança oferece uma janela para o custo real da inovação e a importância da durabilidade nas parcerias. A jornada da CoreCard termina em aquisição, mas sua história oferece um conto de advertência para a próxima onda de construtores de fintech.
À medida que o JPMorgan finaliza sua estratégia, a Euronet inicia a integração e a Apple repensa sua abordagem de serviços financeiros, o verdadeiro impacto dessa transição se revelará nos próximos trimestres.
Fique atento às próximas teleconferências de resultados do JPMorgan e da Euronet para atualizações sobre a integração. Documentos regulatórios também podem esclarecer os termos que regem a transferência do portfólio e as estratégias utilizadas para gerenciar os riscos associados.